quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

19-09-2022 - PARA NUNCA MAIS ESQUECER!

Caminito que el tiempo ha borrado
Que juntos un día nos viste pasar

He venido por última vez
He venido a contarte mi mal
Caminito que entonces estabas
Bordeado de trébol y juncos en flor
Una sombra ya pronto serás
Una sombra lo mismo que yo

Desde que se fue

Triste vivo yo
Caminito amigo
Yo también me voy
Desde que se fue
Nunca más volvió
Seguiré sus pasos
Caminito, adiós

 

Caminito que todas las tardesFeliz recorría cantando mi amorNo le digas si vuelve a pasarQue mi llanto tu suelo regó

Caminito cubierto de cardos
La mano del tiempo tu huella borró

Yo a tu lado quisiera caer
Y que el tiempo nos mate a los dos

Desde que se fue
Triste vivo yo
Caminito amigo
Yo también me voy
Desde que se fue
Nunca más volvió
Seguiré sus pasos
Caminito, adiós

 (A verdadeira e incrível história  deste tango pode ser vista aqui  https://www.youtube.com/watch?v=OVbXxayLTkQ )

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA (II) - O trajecto até à casa dela...


 Caro blog:

Suspendo aqui a minha “história de vida”.

Não sei o que me vai acontecer nos próximos dias. Tenho passado umas semanas de sofrimento físico e psicológico.

A minha vida nunca foi florida, ao contrário do que todos os meus amigos imaginam. Aparentemente sempre tive tudo, uma vida de sucesso uma carreia e um currículo que alguns invejarão. Porém, a verdade é diametralmente oposta.

Tu sabes, caro blog, que sou apenas um bom actor (no teatro e na vida real). Sou a pessoa mais tímida das redondezas, sinto-me o mais rude, inútil e estupido de todos os seres… chamam a isso complexo de inferioridade, mas eu chamo-lhe “o meu fado”.

Será que alguém que me vê a desempenhar papéis complexos, interagindo com o público e improvisando sem problemas e com todo o à-vontade, ou nas discussões políticas públicas, ante plateias recheadas de gente importante, ou no meu desempenho profissional onde enfrento tanta gente (nem sempre fácil de gerir) … Será que alguém conjectura o que eu sou de verdade. Nem a minha consorte imagina a vergonha que eu sinto de mim próprio, o medo que comprime o peito…

Foi tudo isto que ditou o infeliz desfecho da “história de vida” que estava a narrar - algo que não tem uma explicação lógica e racional, a menos que culpe o “destino” por tudo o que me aconteceu.

Esse mesmo destino que me leva a interromper a tua companhia, caro blog. Se não puder regressar tentarei, pelo menos, eliminar tudo isto.

Peço desculpa às amáveis e bondosas visitas deste blog, pelo facto de lhes ter aparecido no caminho, de ter maçado e conspurcado a blogosfera, pelo sacrifício e desprazer de lerem as minhas palermices… Obrigado e bem-hajam!

¡Hasta!

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Retomo a minha narrativa exactamente no ponto onde a havia interrompido - a saída da mercearia/café e posto de correios do Sr. Serafim.


Aqui iniciei, com a Isabel, a mais feliz e inesquecível caminhada da minha vida, aquela em que tive uma semideusa por companheira de jornada e o evento mais feliz de que tenho memória.

Um dia de sonho. Um daqueles acontecimentos que só cabem na imaginação e muito dificilmente sucedem na vida real.

 Meu Deus!... Trocava tudo pela possibilidade de retornar a esse momento e repetir essa jornada.

 Tão feliz quanto nervoso, tão inseguro como maravilhado, percorremos esse trajecto de mais de 1 Km num lapso de tempo que, embora eu não consiga estimar, me pareceu o mais curto de sempre.

 

Creio que será difícil de entender, mas o meu estado era tal que eu bloqueei. Não recordo nada do que se passou nesse trajecto, até à casa dela. Por certo, não se passou nada de especial, mas eu não sou capaz de recordar nada. A memória desse dia não se apagou com o tempo – no mesmo dia, ao regressar a casa, eu já não conseguia recordar-me de nada.

 

Eu sei que estou a abusar, mas a imagem que hoje aqui publico é uma foto real (tirada à cerca de dois anos mais um recorte do Google Maps) do final do trajecto mais feliz  de toda a minha vida, que percorrei com a mais divinal de todas as “Divas” que o universo alguma vez albergou.

 Não há muitas diferenças em relação à paisagem daquele tempo, mas hoje toda esta área é, praticamente, um deserto humano – não vive aqui quase ninguém.

Subindo esta pequenina ladeira, por este estreito carreiro, que flanqueia, por um dos lados, o quintal dela, o meu passeio de sonho terminou ali, junto ao pequeno portão que servia de entrada secundária da casa dela.

Se não me recordo do que aconteceu no decorrer do trajecto calcorreado, o mesmo não acontece do ponto de chegada. Recordo-me, com algum pormenor, de tudo o que se passou do final desse dia de sonho.

Chegados ao portão da casa dela, estávamos de mão-dada, e eu tentei ganhar coragem para lhe dizer que ela era a pessoa que eu mais adorava no mundo e que me sentia super feliz por estar com ela. Não consegui.

 

Como eu tremia, meu Deus! O meu coração bombeava o sangue com tanta força que eu sentia uma pressão anormal nos ouvidos, nos olhos um estranho latejar e a respiração era difícil de controlar. 

 Não sei se ela percebeu o meu estado. Quiçá tenha pensado que eu tinha algum problema de saúde…

Enquanto eu tentava arranjar alguma palavra que iniciasse uma frase com sentido, ela largou a minha mão. 

 Ainda tentei segurá-la enquanto dizia: «Isabel, espera só um pouquinho…»

Foi inútil.

Ela fez questão de entrar no seu quintal, enquanto dizia: «Tenho mesmo de ir…»

Acho que fiquei petrificado. Não sei avaliar o que senti, nem a minha reacção.

Sei que ainda lhe disse: «Isabel… posso voltar aqui Domingo, para estar contigo?...»

 Não ouvi a resposta, mas ela esboçou um sorriso perfeito e encantador,  enquanto entrava no seu quintal.

 Fiquei ali, preso ao chão a vê-la desaparecer. Depois parti de regresso a casa.

 Eu não via nada à minha frente. Se, por um lado, me sentia o maior sortudo do mundo, por ter passado este tempo com a mulher mais excepcional do universo; por outro lado, entendia a forma como ela me “largou” à porta de sua casa, como algo de forçado.

Independentemente de tudo, eu sentia-me nas nuvens, muito perto do paraíso, a explodir de felicidade.

Tal era o meu estado, que esqueci todos os amigos, o nosso local de encontro, tudo o que havia combinado e regressei rápido a casa, fechei-me no quarto, peguei no meu diário onde gravei uma longa narrativa.

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(P.S.: Parece que tudo estava a correr lindamente, mas, dessa data até hoje, só fiz asneira!)

terça-feira, 11 de agosto de 2020

O DIA MAIS FELIZ DE TODA A MINHA VIDA...

 Amigo blog:

Dita a necessidade que, nesta narrativa real da minha “história de vida”, aqui me veja impelido a eclipsar alguns factos de extrema importância, pulando no tempo.

Se alguém tiver pachorra (seja por bondade ou carência de gosto) para ler isto, terá ainda mais dificuldade em perceber o que tem sido a minha patética existência, a imbecilidade ou a demência que me avassala.Estou certo que, para os que se locupletam de ovações e “vivas” à modernidade dos “relacionamentos” (palavra que veio substituir a essência das ligações humanas onde o amor passou a ser fantasiado e, por isso ausente, em detrimento daquilo que separa os humanos dos animais e também o afecto cedeu lugar ao simples formalismo jurídico normativo) a la minute e de forma descartável, para esses, eu sou mesmo um retrogrado demente.   

Bom… sobre o tema dos “relacionamentos” e do fim da afectividade humana, que é uma das minhas áreas de interesse, poderia escrever milhentas postagens…

Na minha narrativa, adianto-me no tempo para relatar o mais feliz acontecimento da minha vida afectiva.

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Vai um saltinho no tempo e eis que, nos finais de Setembro de ano de 198x, aconteceu algo verdadeiramente inesperado e maravilhoso.

Num daqueles dias de feira em que a juventude de todo o concelho se encontrava, eu ganhei coragem suficiente para me aproximar da minha diva Isabel.

 Eu sentia-me tão emocionado!… O coração acelerado, todo o corpo tremia, a boca ficou seca e as palavras saiam custosamente e a medo.

Fiquei deveras atrapalhado, a ponto de a minha memória fotográfica ter bloqueado - não consegui reter, quase nada desse dia de sonho. Aliás, no dia seguinte eu próprio duvidava se tudo isso teria sido real ou se foi apenas um sonho.

 

Aproximei-me da minha celestial Diva.

Meti conversa com ela.

Contrariamente ao que pensava, ela anuiu e demonstrou uma receptividade e proximidade que me deixou atónito.

Passeamos sozinhos entre a multidão, falamos, vi-lhe um sorriso tão divinal e deslumbrante que me deixou completamente nas nuvens.

 Viajamos juntinhos no autocarro até à freguesia dela.

 Aí, ela saiu numa paragem longe de casa, dizendo que tinha de ir à mercearia que, nessa época, funcionava também como posto de correios.

Eu acompanhei-a. Contudo não entrei na mercearia/café e posto de correios. Dois motivos me retiveram à espera da Isabel no exterior: por um lado temia que ela achasse inconveniente a minha companhia; por outro lado, não eu gostava muito das observações do proprietário da dita mercearia – o Sr. Serafim. Receei que ele fizesse alguma observação que pudesse afastar (de mim) a minha celestial companhia. 

Esperei uns dez minutos que, nesta circunstância, pareceram uma eternidade.

Tudo parecia um sonho, mas, enquanto esperava, fui descendo à Terra, lentamente.

Então, assolou-me um sentimento de inferioridade e insegurança tão grande que, rapidamente, senti os olhos turbos e um aperto indescritível no coração.

 A questão que me apoquentava era esta: será que a Isabel saiu nesta paragem para não passar a vergonha de me ter como companhia na paragem onde costumava sair?

Fiquei desapontado, pesaroso e muito inseguro. Tudo isto piorou o meu debilitado e frágil estado, arruinando de vez a minha auto-estima. Ela era boa de mais para mim… eu não era digno dela.

Eis, enfim, que ela reaparece.

Iniciamos a mais maravilhosa e inolvidável jornada a dois em que eu participei em toda a minha, até à casa dela. A única caminhada (com ela) a dois que o destino me reservou.

Entre a alegria de viver aquele sonho e o meu receio de acordar para a realidade, fomos caminhando…

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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A foto da minha Diva....

 

Invoco hoje um facto ocorrido no longínquo ano de 198x, exacta e concretamente no dia 10 de Agosto, tal como hoje era uma segunda-feira e dia de feira na minha terra.

É com um misto de nostalgia, peso no peito e arrependimento pela minha estupidez que hoje recordo essa jornada, na qual vivi, de forma intensa e inolvidável, a procura pela minha “celestial diva”.

Nesse dia eu consegui fotografá-la. Claro que ela nem se apercebeu e a foto ficou toda tremida – eu tremia muito mais do que a foto pode retractar.

Esta foto é absolutamente real. Depois de digitalizada, recortei as demais pessoas que ficaram enquadras na foto original [Curiosamente, ela vinha acompanhada de uma menina. Um dia ela disse-me quem era, mas eu não a reconhecia pelo nome que ela lhe deu. Só agora,  tantos anos depois, ao pegar novamente na fotografia é que eu consegui identificar a menina, hoje uma Sra. casada  e mãe de filhos.]

É a única fotografia real que tenho dessa minha celestial e eterna diva. Foi tirada numa rua da vila sede do concelho onde os dois residíamos, num dia de feira por volta de quatro horas da tarde.

Ninguém acreditará no valor que esta imagem tem para mim. Aliás, também eu tenho dificuldade em exprimir o quanto ela significa. É impossível contabilizar o tempo que eu dispensei a “adorar” esta fotografia. Se ela pudesse falar e testemunhar tudo o que sabe sobre mim - tudo o que lhe revelei, todos os segredos que lhe confiei, todas as lágrimas que viu nos meus olhos, todos suspiros que observou… todas os sonhos, todas as alegrias, todas as desilusões e tristezas… todas os conselhos que lhe pedi, todos os beijos que lhe dei, todas as vezes que escutou o pulsar do meu coração quando eu me abraçava a ela… Meu Deus, ainda bem que ninguém imagina. Fico corado só de pensar naquilo que qualquer pessoa me diria se soubesse estas coisas.

O que pensará de mim quem ler este texto?

Provavelmente imaginará que sou demente. Talvez seja mais complacente e imagine que estou a inventar, pois ninguém é assim tão estúpido. Quiçá seja, apenas, benevolente ao ponto de ignorar tudo isto e dizer que se trata de mais uma “postagem” de um blogue medíocre, de um bloguista que não tem mais nada que fazer.

Como a verdade é cruel!...

Sobre esta foto poderia dizer tanta coisa!... Mas, fico por aqui.

domingo, 9 de agosto de 2020

A primeira carta que te escrevi!...


Amigo blog:

Continuo em estado lastimável – doente no corpo e, creio bem, na alma.
Não sei se amanhã vou tirar a “tubagem”. Assusta-me pensar que posso retirar de manhã para ter de colocar à tarde…

Bom!... Adiante!
Vou tentar colocar aqui mais algumas “postagens”, até quinta-feira.
Nesse dia, se as coisas correm mal, este blog pode acabar. 

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Estava a tentar narrar, de forma abreviada mas seguindo a sincronia dos eventos mais marcantes, o que de mais importante se passou comigo desde que vi esta miúda fatal. Tudo foi (e é), no mínimo, estranho e não é fácil de ser descrito por palavras. Digo bem: “desde esse dia 22 de Junho de 198x”, pois tal situação progrediu no tempo e prolongou-se até hoje, Agosto de 2020.

Na segunda-feira em que descontinuei a minha narrativa, regressei a casa, não sem que tivesse ocorrido um facto importante (e marcante) que, por falta de tempo, vou desatender, até porque obrigava a um relato extenso. 

Regressado ao eremitério do meu quarto, onde passei sentir-me como se vivesse numa outra dimensão – entre quimeras, desejos e solidão -, decidi escrever a essa semi-deusa que ocupava toda a minha mente, o meu tempo e dominava o meu corpo. 

A primeira carta que lhe escrevi e que nunca lhe enviei (não podia remetê-la porque não sabia o seu endereço postal, nem sequer sabia o seu nome completo), tinha a forma de um livro. Este formato é interessante, pois se juntasse todas as demais que escrevi teria alguns abastados volumes, de uma história sem fim. Ainda conservo essa primeira missiva entre os meus alfarrábios (dada a extensão da minha biblioteca creio que esteja segura, mas penso destrui-la em breve). 

Na verdade, esse extenso texto não é uma preciosa relíquia que se guarda com pia devoção, é uma peça da engrenagem da minha vida. 

O texto tem, aqui e ali, algumas partes esbatidas, pois a tinta (eu usava caneta de tinta permanente) dilui-se em algumas gotas que os meus olhos derramaram sobre o texto. 

Nem todas essas gotículas de lágrimas foram derramadas nessa noite de Julho de 198x. Algumas foram-lhe sendo acrescentas pelos anos fora, sobretudo nos momentos mais duros da minha vida, naquelas horas em que a saudade e a lembrança me torturam, a decepção me ia (vai) devorando o peito e também quando a incompreensão e a solidão se juntaram (e se juntam) nos pedregosos caminhos da minha vida. 

Há uma parte do seu conteúdo que não posso reproduzir. A razão é simples: contém uma descrição pormenorizada da minha pessoa, do lugar onde residia (e onde actualmente estou a morar) e algumas outras informações que identificariam todos os lugares e intervenientes nesta narrativa. Eu podia substituir nomes e lugares por denominações fictícias, porém não o farei. Eu necessito ser verdadeiro, completamente fiel aos factos e tentar obter a paz que tanto busco… já chega de calar uma história que me atormenta o peito, que me custa demasiado a suportar. 

Para ser verdadeiro, na situação debilitada e perigosa em que me encontro, O QUE EU MAIS QUEIRA É QUE A ISABEL CHEGASSE A LER ESTES TEXTOS, mesmo sem saber quem é o seu autor, mas eu tenho a certeza que isso nunca vai acontecer. 

Aqui fica um pequenino fragmento.


"Querida Isabel:


A primeira pergunta que farás, é: de onde vem esta estranha carta?

Infelizmente vai de alguém que tu não conheces, nunca viste, nem sequer sabes que existe, em quem nunca reparaste e, muito menos, te importa a sua existência. 

Antes de me apresentar, quero que saibas que, neste momento, és, para mim, a pessoa mais importante do mundo. Se eu tivesse que escolher entre tu e eu, juro-te, tu estarias primeiro. 

(…)

Talvez não entendas o que a seguir vou descrever, mas, juro-te, é a mais pura verdade. 
Há cerca de quinze dias, dia 22 de Junho (…)

Não sou capaz de exprimir por palavras o que eu sinto por ti. É como se, desde o momento em que te vi, tu tivesses penetrado no meu corpo e me percorresses as veias, calmamente, demorando-te no pensamento e, vagarosamente te deitasses, reclinada e sorridente, no meu coração. (...)


Já não posso dizer que sonho contigo(…) é muito mais do que isso - eu vivo contigo, tu vives em mim e sem ti nada tem sentido. (...)

 

Talvez isto pareça uma infantilidade. É verdade que, quando tenho a dom de Deus de poder olhar para ti, me sinto tão pequenino, tão rude, tão inútil e incapaz de reagir, mas não sou uma criancinha (…)

Se achas estranha e infantil a forma desta carta, quero que saibas que simboliza o muito que tenho a dizer-te.  Juro-te: para poder explicar o que sinto por ti e tudo o que gostava de te poder dizer, gastaria mais de um grosso volume de um livro – faria uma extensa publicação e muitos volumes poderia escrever de futuro, se para tanto tivesse capacidade.(…)

 Estou certo que, sobre ti, muito escreverei na vida, muito sofrerei, muito chorarei – como estou a fazer agora – e, enquanto o meu pobre coração bater, NUNCA TE ESQUECEREI. […] Aceita um beijo que seria a maior presente de Deus se eu te pudesse dar pessoalmente […]"

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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

EIS-ME EM APUROS!...

 Amigo blog:

 

Para os meus lados, as coisas não estão nada famosas em termos de saúde.

Tenho sofrido bastante.

Ver um tubo de latex a entrar no corpo gera agonia e desânimo, mais do que desconforto, porque já começo a afazer-me a este percalço.

Estava muito longe de imaginar o que me esperava.

Tenho dificuldade e uma imensurável falta de vontade para escrever.

Na próxima quinta-feira vou submeter-me a um exame muito custoso. Não sei dizer se receio mais as consequências da realização deste meio de diagnóstico ou os resultados que dele se venham a inferir.


Não, não sou um medricas. Na verdade atemoriza-me sofrer, nas não me assusta morrer.

Já vivi muito.

A minha vida não foi nada daquilo que eu queria. Fui sempre uma desilusão. Tive uma existência vã e quase inútil. E, se o meu caminho chegar ao fim, acho isso tão natural como continuar. Quiçá seja uma espécie de libertação…

No meio de tudo isto, queria, ainda, “postar” aqui mais dois episódios da minha “história de vida”, pois parece-me que há quem me julgue sumariamente e me sentencie como um desequilibrado ou mesmo como um delinquente.

Porém, se as coisas correm mal esta semana, só peço a Deus e Nossa Senhora que me dêem força para poder eliminar tudo o que tenho no “ciberespaço” – contas de e-mail, espaços de alojamentos de ficheiros, blog… tudo, mesmo tudo -  e depois formatar, em “low level”, os meus PC, destruir DVD de dados e partir todas as minhas “pen drive”. Não quero que de mim reste nada.

Amigo blog, vou fazer os possíveis por regressar, nem que seja para te dizer adeus. 

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Meu caro blog, até já!

Meu caro blog:

Estou muito doente.

As coisas que mais me arrepiam na vida – médicos, enfermeiros, urgências, análises, TAC, tubos de látex a entrar no corpo, etc. – tudo isso tem ocupado os meus dias.

O pior de tudo é que os médicos ainda não acertaram com o protocolo terapêutico que eu devo seguir.

Tenho passado uns momentos complicados.

Peço a Deus e Nossa Senhora que o pior já tenha passado. Não quero reviver os momentos de desespero por que passei.

Olha blog: quando tudo parece estar bem, nós vemos mundo como algo incomensurável, cheio de coisas fantásticas e então nós buscamos a proximidade com as mais aprazíveis e afectuosas… num ápice, o mundo torna-se do tamanho do nosso quarto, nada interessam as coisas do exterior, até podemos perder tudo que isso não nos afecta, pouco importam os sucessos e as vitórias, porque nós queremos, apenas, não sofrer – eu entrei nesse buraco.

Para ser sincero, agora e mais do que nunca, tenho medo de ser contaminado pelo coronavírus - creio que não resistiria.

Com uma boa dose de optimismo, até já, blog!

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Naquela segunda-feira estive perto do paraíso, vi a minha “celestial diva”…

Meu caro blog: Calei-me subitamente. Faltava-me ânimo para reviver a lembrança desse dia 06/07 de 198x. Recordar significa, antes de mais, ter de aceitar a minha infinita pequenez (ou o complexo de inferioridade) que me levou a perder tudo o que mais desejava, a viver uma vida vã e inútil, a esbanjar a minha existência.

Continuando…

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Nessa segunda-feira, tórrida e inesquecível, decididamente tinha de voltar a ver a minha “arrebatadora visão”, aquela encantadora e inebriante “diva” que, desde que me cruzei com ela, ocupava todos os recantos da minha existência. Não era apenas omnipresente, era também a única maravilha do todo universo que eu desejava ver, aproximar-me… venerar!

Estive de plantão à paragem do autocarro, com a mesma atenção de um soldado na frente de guerra.

Não sei se esperei tempo infindo ou se o tempo que lá permaneci, por pouco que fosse, converteu-se, para mim, numa eternidade.

Durante esse tempo de angustiante espera, foi variando o meu estado de espírito: ora angustiado com a quase-certeza de que ela não pareceria, ora suplicante a Deus, a todos os Santos e deidades que concebessem o milagre dela aparecer.

Fosse porque as minhas preces foram ouvidas ou fosse por mero acaso, eis o momento esperado – a minha “divinal e encantadora visão” reapareceu.

Por triste fado meu, sempre assim foi e receio que sempre assim será, cada rosa está resguardada por um molho de espinhos, ou seja, a minha “celestial diva” estava acompanhada.

Queria eu ter capacidade bastante para verter em palavras o que eu senti no exacto momento em que a vi. Meu Deus, que sensação!... Todo o meu corpo foi percorrido por uma torrente de energia que, simultaneamente, arrepiava e queimava, vivificava e me deixava prostrado e paralisado, era a melhor sensação eu já tinha vivido e, ao mesmo tempo, a mais aflitiva das impressões.

Só de vê-la já estava cumprida a maior alegria que poderia receber. Bastava ter a oportunidade de a ver de longe, mesmo com a certeza de que ela nem me viu, não sabia que eu existo, muito menos poderia imaginar o efeito que tinha em mim.

Todo o universo parou. À minha volta não existia nada nem ninguém.

Segui-a de longe, mas não fui capaz de me aproximar. Acabei por perdê-la no turbilhão do vaivém de pessoas que enchiam o passeio e a avenida, porque eu estava num estado quase hipnótico – chocava com tudo e com todos… Porém, não era importante segui-la. Vi-a, isso era tudo o que eu mais queria, o maior privilégio divino, a maior dádiva de Deus.

Por ali andei, errante, procurando-a ao longe, vagueando em sonhos, entre o purgatório da minha incapacidade de me aproximar e o idílico milagre de poder olhar para ela.

Que beleza! Que harmonia! Que divindade!

Era, de certeza, a mais especial, a mais encantadora, a mais divinal de todas as mulheres do Universo.

Por ali caminhei, nas nuvens e aos encontrões, com o coração dividido: ora a explodir de alegria pela felicidade de a reencontrar e poder confirmar que o Xico estava certo (e era ela mesmo que eu procurava), ora flagelado pela sensação de que seria impossível aproximar-me dela.

Ela era perfeita.

Eu não a mereceria. Sentia-me tão pequenino, minúsculo e insignificante, desajeitado e indigno de me aproximar dela.

Ela nunca poderia ser minha. Era demasiado “boa” para mim.

Mesmo assim, faltava agora poder tentar aproximar-me dela…

Por mero acaso vi o seu irmão mais velho (que eu conheci, sem saber que eram irmãos) entrar no autocarro. Decidi regressar no mesmo autocarro. Se era irmão dela, era importantíssimo. De simples anónimo e comum mortal, também ele foi automaticamente promovido a VIP!…

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segunda-feira, 6 de julho de 2020

Quando se fecha uma porta, Deus abre uma janela…

Caro blog: Hoje fui à feira da minha terra. Apesar das diferenças geradas pelo distância no tempo e pela pandemia, não passei sem recordar (quase reviver) as sensações do episódio real que estava a pensar narrar. Tenho tão presentes os factos ocorridos nessa data que achei melhor não o fazer. Fica para outro dia. 

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Na prossecução da minha narrativa, havia quedado à porta da minha “diva”, mergulhado na mais amargurada e dolorosa decepção.   

O Xico, porém, astucioso e atento, não tardou em descobrir uma janela de esperança que pudesse gerar um paliativo para o meu estado de desilusão. 

Uma das tradições da minha terra natal era (e ainda é, embora em grau muito reduzido) a ida à feira quinzenal. Nesse tempo, da parte da tarde a feira funcionava como o grande ponto de encontro da juventude de todo o concelho. Num município eminentemente rural e com meia centena de freguesias, as moçoilas e os rapazes rumavam à feira com a mesma predisposição com que se vai a um concerto, a uma festa social ou a um espectáculo cultural. Ainda hoje, em algumas freguesias, há pequenas empresas que facilitam a ausência dos seus funcionários em dia de feira.

Por uma questão de integração social, também eu participava dessa praxis juvenil, embora de forma pouco assídua.

Não padeço de oclofobia, mas sempre apreciei muito mais o convívio dentro de um limitado grupo de amigos, tranquilo e pacífico, onde todos se entendem e podem compartir, positiva e democraticamente, as suas singularidades. Grandes aglomerações de pessoas, muito ruído ou falta de espaço não me cativam. Sempre entendi que para conviver é indispensável comunicar. Gosto imenso de conversar, compartir o pouco que sei, aprender com os demais e disfrutar da companhia dos que me são próximos ou caros em afeição. 

Além de tudo isso, ocupava os tempos livres com hobbies de cariz bastante mais construtivo e enriquecedor. 

Voltando aos factos...

Tudo mudou quando o Xico disse: «Eureka!... A Isabel vai à feira amanhã, de certeza!... Só não a encontras se não quiseres.»

Eis que voltou a brilhar o sol na tenebrosa penumbra que enegrecia a minha aura. 

Por impedimentos inadiáveis, o Xico não podia ir à feira e eu já tinha ajustado outros compromissos, improteláveis e relevantes.

Fosse como fosse, a feira tornou-se o centro das prioridades, o mais desejado e importante evento do universo.

Bastou isso para revitalizar a alma e o corpo, voltar a casa encorajado e com a persuasão heróica de um oficial romano – tão pronto para a luta como desejoso por lutar.

Regressei directamente a casa.

Essa noite pareceu-me interminável. Ansioso e imaginando mil um cenários para o dia seguinte, praticamente não consegui dormir.

Decidi esquecer todos os afazeres e compromissos… nada tinha relevância, urgência ou valor que pudesse rivalizar com o privilégio (e o sonho) de rever aquela divinal musa.

Eis que, enfim, chega essa segunda-feira -  faz hoje anos –, dia 06/07/198x.

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domingo, 5 de julho de 2020

Viagem às portas do paraíso... onde imperava a minha " celestial diva"...

Caro blog: Eu devo estar a usar um português paupérrimo, talvez ninguém entenda o que escrevo... é que, ainda tenho dificuldade de reviver estes momentos


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Eis-me, finalmente, chegado ao Domingo, na cronologia (e, por que não dizer, na cronografia, uma vez que o tempo se funde com os factos) do meu relato. Nunca a expressão “dia santificado” teve tanto significado. 

Faz hoje anos... era o dia 5 de Julho de 198x.

 À hora que havíamos ajustado lá estava eu na casa do Xico. Eu ia ansioso mas pouco convencido. Em bom rigor, eu sempre me persuadi que não tenho direito a grandes mercês da sorte.

 O Xico não me havia revelado nada de muito objectivo sobre a morada da minha “semideusa”.

Agora, porém, e para descartar as nossas formas de transporte disponíveis - bicicleta e motorizada -, começou por localizar o pedacinho de paraíso onde a minha "diva", radiantemente, reinava. Baralhava tudo. Aquele rapaz sempre foi uma desgraça no que respeita a dar informações! (A propósito disso, ainda um dia conterei um situação passada com ele e que eu testemunhei…)

Então, foi ele a propor que fossemos a pé porque ela morava na freguesia vizinha. Seriam, quando muito, três quilómetros e, acrescentou ele, «há grandes vantagens em irmos a pé: “controlamos” as miúdas, podemos conversar sem problemas… enfim, só vantagens!»

Para mim, a grande desvantagem era o calor infernal de um dia de puro Verão. Porém, dada a urgência e a importância da jornada, eu estava pronto a todas as adversidades, mesmo que fosse para uma peregrinação a Santiago Compostela.

 Seguimos jornada. Como bons aldeãos, treinados nas agrestes lides campesinas, estávamos dotados de uma resistência digna de um militar das tropas de elite e de uma capacidade de resiliência quase sobrenatural. Os dois havíamos nascido e crescido numa aldeia pacata, alegre e feliz. Depois da Páscoa começava a época das festas. Era muito raro o fim-de-semana sem festa, romaria ou simples bailarico.

 Retomando o caminho seguido, juntamente com o meu amigo Xico, nesse dia de Julho dos inícios da década de oitenta, eis-me completamente incrédulo: eu estava dentro do “meu território”, não estava em local que eu desconhecesse em absoluto, mas nas minhas deambulações da semana anterior não me ocorrera seguir esse trajecto.

Três coca-colas depois, ou seja, passados três cafés, entramos num estreito carreiro “de pé-posto”, muito polido pelo intenso trânsito pedonal, servia, inclusive, de atalho para uma concorrida feira quinzenal. Era no seguimento dessa estreita vereda que se situava o pedacinho de Olimpo onde vivia a minha inigualável e celestial "diva". 

Eis-me chegado.

Quando o Xico disse “é aqui!”, eu entrei num estado que não sei qualificar – senti-me todo arrepiado, com “pele de galinha”, assolado uma sensação de suor frio enquanto uma forte pontada saía no peito e percorria todo o corpo, dissipando-se a custo e com uma forte sensação de formigueiro, nas mãos e nos pés. Entrei numa espécie de transe, não sentia os pés no chão, o mundo desapareceu em meu redor, agia por instinto, sem autonomia e incapaz de articular palavras com nexo. Por instantes deixei de saber onde estava, quem era e o que fazia ali.

Ocorreram, então, lapsos de tempo em que fiquei completamente bloqueado. Parecia que o meu espírito (a minha mente) e o meu corpo se haviam separado.      

Na minha vida não me recordo de igual momento em que me sentisse tão incapacitado, tão débil, tão estranhamente perdido e sem saber o que fazer.

Estive assim, “em transe”, uns minutos.  

Quando “regressei a mim”, estava o Xico a tentar sentar-me, entre bofetadas e abanões… recordo-me apenas desta frase dele: “Eh pá!... Foda-se!... Fala!...”

Não quis dar parte de fraco e, apelando os meus dotes de actor, disse qualquer coisa do género: “consegui enganar-te e assustar-te!”

Levantei-me lentamente e tentei defrontar a situação.

O quintal (e a casa) dela tinha (e tem) a particularidade de ter acesso público em todo o seu perímetro. Podia, por isso, circundar todo o “ seu mundo”.

Com o coração desafiar o rendimento extremo de um motor de fórmula 1, todo o corpo preparado para sofrer o impacto de um raio eléctrico de elevada potência e voltagem, à espera receber uma nova sensação inibidora de todas as minhas reacções vitais,  racionais e instintivas, circundei duas vezes o quintal, num acto quase de adoração. Não sei se o Xico disse algo. Se falou, eu não ouvi nada.

Como um submisso vassalo, rondei “o paço da suprema princesa”; como um crente, senti-me a venerar uma entidade celestial.

Nada! A casa estava completamente silenciosa, fechada, deserta.

Procurei uma sombra e fiquei (ficamos, porque o meu "compincha" teve de me acompanhar ou então regressava sozinho) ali, sentado, como o ar compenetrado e contrito de um penitente, absorvido no recolhimento silencioso de um devoto peregrino.  

Oh desilusão!... Não podia receber maior decepção, uma penalização mais pesada, um golpe mais incisivo.

Porquê, meu Deus, tal castigo? Porquê esta falta de sorte? Porquê?...

Trocava tudo por vê-la… eu necessitava ver essa semideusa chamada Isabel, imperiosa e desesperadamente!

Desapontado, vencido e completamente de rastos, não derramei lágrimas mas chorei de forma sufocada no mais profundo do meu peito.

Vendo a minha cara de desilusão, o Xico teve uma (mais uma) brilhante ideia.

 

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quarta-feira, 1 de julho de 2020

Entre a incerteza e o tormento da ansiedade...

Caro blog: Hoje sinto-me excessivamente abatido. Sinto-me debilitado no corpo e na alma. Vejo que nasci e vivi no tempo errado. Aquilo que era quase impossível no meu tempo, hoje é tudo tão fácil! Só tenho esta vida… e, por infortúnio, foi-me dada num tempo em que se tornou estéril, miserável, inútil…   

… Continuando…


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Retomo a minha narrativa no ponto em que havia montado guarda à porta do Xico. 

Com a determinação do mais destemido mestre d’armas, com a coragem de um guerreiro e com uma ousadia que ofuscava a valentia do Santo Condestável, não arredaria pés dali sem saber algo de substancial sobre a “minha diva”.

Parece que a sorte protege os pertinazes e, quiçá, esteja mais do lado dos obstinados do que dos apaixonados. Pela minha obstinação merecia ser compensado com alguma ventura. O Xico chegou ao anoitecer. Trabalhava de padeiro, levantava-se pelas três da manhã, pois, rotativamente, ele e os colegas dividiam as noites de domingo para segunda-feira, já que, nessa idade e nessa época, o fim-de-semana era um tempo crítico e precioso. Por isso regressou cedo. 

Mal o avistei ao longe, pareceu-me que o mundo se iluminou e saí prestes ao seu encontro, com a ânsia do bíblico pai do filho pródigo. 

Embora o Xico estivesse um pouco agastado comigo, fruto da discussão dessa tarde, acedeu submeter-se à minha inquisitorial “entrevista” (eu bombardeava-o com perguntas, sem lhe dar folgo), a contragosto do padrasto. O padrasto era uma mal-azada figura, insuficientemente escanhoado, de tez crestada, com um ar de magrebino ressequido e recurvado, usava uns óculos desproporcionais e padecia de uma crónica falta de delicadeza no tom de voz. Falava "tripeiro típico" (era natural do Porto). Apesar disso, não o julgo por má pessoa.

Quase sem tempo para respirar, o Xico foi debitando as mais sublimes e desejadas palavras do mundo, para aquela ocasião. Para mim soavam como a mais melodiosa e encantadora sinfonia. Deleitava-me ouvi-lo dizer que sabia tudo o seu respeito: o nome, onde morava, a idade… até a alcunha de família e uma incrível coincidência - eu conhecia um irmão dela.

O Xico alegava ter passado com ela umas tardes e, dando-me razão, também ele achava que a ela era «uma miúda especial».

Questionei entusiasmado: «Xico, quando vais comigo até à casa dela?...»

Aqui residia um problema. Apenas poderia ir comigo no domingo seguinte.

Nas nossas aldeias, nessa época, não existia toponímica nas ruas e muito menos número de polícia (número de porta). Apenas existiam lugares. Contudo, ele não sabia o nome do lugar e, seguindo as informações que ele dava, eu não chegaria a lado nenhum.

Inconformado, restou-me aceitar que assim fosse, na certeza de que uma semana costumava passar depressa.

Mesmo assim, decidi fazer uma romagem à freguesia dela. Peregrino, qual Rei Mago que perdeu a estrela guia, seguia um percurso diário com um trajecto aleatório mas diferente, todos os dias dessa semana.

Não vi nada que se assemelhasse à descrição feita do Xico. Percebi, depois, que estive perto, mas a dislexia do meu compincha, trocando esquerda por direita, poente por nascente, baralhou completamente o meu sentido de orientação.  

Não consigo expressar muito bem a dificuldade que tive em passar essa semana. A ansiedade, a incerteza, os sonhos, a convulsão que me percorria o corpo quando a imaginava frente a mim, a sensação de calor que nascia no peito e percorria todo corpo quando recordava a sua figura, o desejo de vê-la, a constante incerteza, o tempo que passava tão vagarosamente, a insegurança que me atormentava pela quase certeza de que, na sua presença, seria possuído pelo pânico e não teria capacidade de reacção… enfim, tudo isto repetido na duração centúria de cada dia e no martírio infindo de cada noite.

Cancelei (nem sequer me lembrei) todos os meus “compromissos”. Pus de parte todos os colegas. Nada tinha interesse. Tudo era inútil, supérfluo e dispensável.

Não sei explicar porquê, mas sentia-me, cada vez mais, a pessoa mais ridícula e insignificante do mundo - ninguém tinha mais defeitos do que eu, ninguém tinha tão poucas qualidades e tão grande falta de virtudes.

Neste clima hostil de “estado de sítio” permanente, eis que a semana passa e, finalmente, chega o Domingo.  

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O primeiro efeito adverso da "minha diva" na minha história de vida...

Caro blog: Eu poderia omitir este episódio. Porém, o Xico foi crucial no desenvolvimento da história, neste e em muitos outros factos que, propositadamente, omitirei.

…Continuando

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Estávamos no Galocha e dizia eu que, naquele dia e naquele momento, “Vidi lumen regenerati spes mihi...” (Vi regenerada a luz da esperança, para mim … [no meu ferrugento latim]), com a Xico a identificar a minha “celestial diva”, através do retracto falado que eu acabava de fazer.

Modéstia à parte, nesse então eu tinha uma memória fotográfica e uma capacidade de descrição que bem justificavam a minha vontade de ser jornalista da rádio.

 Em abono da verdade, não foi uma coisa assim tão simples. Em primeiro lugar, imaginei que o Xico estivesse a galhofar comigo, o que era normal entre nós. Em segundo lugar, eu achava que também  conhecia todas as pessoas com quem ele se relacionava (socialmente e não só, porque não havia segredos entre nós) e, sobretudo, todas as “suas conquistas”.

Contudo, o Xico foi rotundo e directo: «Essa miúda que tu descreveste é a Isabel, tenho a mais absoluta certeza!»

Ante a minha incredulidade, ele foi ainda mais convincente: «Sei bem onde ela mora, não é muito longe, conheço a sua família e já passei umas boas tardes com ela… é uma miúda espectacular… mas para eu ser da altura dela necessitava usar um tijolo!...»

Então, tentei convencê-lo a falar tudo o que sabia sobre ela. Porém, ele, cauteloso e para evitar a separação do grupinho e perturbar a agenda desse dia, recusou-se a entrar em pormenores.

Claro que eu não cabia em mim de alegria, mas ficava-me o receio da desilusão. E se não fosse ela!?...  

Desafiei o Xico a irmos, sem mais delongas, ao encontro dela. Só que, infelizmente, nesse dia tínhamos um compromisso que, para os restantes membros do grupo, era inadiável e muito mais tentador. Para mim, procurar “a divinal e electrizante miúda” era o mais importante da vida. Estávamos num insanável conflito de interesses. Quase se gerava uma quezília séria e grave entre nós.

Como resultado da discórdia que se criou, decidi não acompanhar o grupinho nesse dia. Essa foi (apenas) a primeira complicação, a primeira alteração da minha vida, por causa dessa “diva” que, na realidade eu nem conhecia e tão-pouco tinha a certeza se era a pessoa de quem o Xico falava.

Eles partiram para a festa, como estava calendarizado. Eu, possesso e inflamado, quase a explodir de nervos, mas a tremer de emoção, regressei a casa.

Foi uma tarde longa e difícil. Sentia uma estranha secura na boca, uma sensação esquisita de calor que me percorria o tórax no sentido ascendente, o diafragma parecia ter perdido elasticidade, o cérebro parecia ter dilatado e provocava zumbidos nos ouvidos e palpitações nos olhos… Não estava bem sentado, nem deitado, nem em pé; se me levantava senti vontade de me sentar, mal m sentava via-me impelido a levantar-me e com vontade de ir, sem destino até encontrar essa divinal musa.

Custou-me aguentar a tarde toda em casa. Eu não podia esperar… necessitava saber mais coisas sobre a minha “diva”.

Vi-me possuído por uma ansiedade insuportável, por uma necessidade incontrolável de fazer algo que aliviasse a comoção desesperante que me acometia o peito.

Tentei dormir mas não consegui. Tudo me parecia irritante, doloroso e fora do seu lugar… Assim passei essa infindável tarde de domingo, esperando que anoitecesse. Ao cair da tarde fui colocar-me de sentinela à entrada da casa do Xico. Decididamente, não sairia de lá sem saber tudo sobre a minha “diva”, nem que para tal tivesse de esperar toda a noite.

Lá fiquei, tempo infindo e num estado em que cada minuto parecia estender-se por várias horas, até que, finalmente, o Xico surgiu ao  alcance da vista.

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segunda-feira, 29 de junho de 2020

A boa nova!... (Vidi lumen regenerati spes mihi).

Meu caro blog: perdoa-me falar deste amigo - o Xico - que não vejo há tantos anos! Soube, há pouco, que ele vive em Dusseldorf. Mantenho aqui o seu nome real e peço a Deus que lhe dê tudo de bom. 


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Aquele grupinho de aventura, ao qual eu pertencia, não era um gang. Era um grupinho de amigos, responsáveis, bem-intencionados e que se esforçavam por manter as suas malandrices dentro dos limites da polidez, urbanidade e educação, pese embora, uma ou outra vez, as simples brincadeiras que fazíamos tivessem resultados infelizes.

Apesar disso, a minha família não via com bons olhos a integração nesse grupinho, mais em razão dos interesses divergentes dos seus membros e da pouca propensão para a cultura, do que das suas acções – eram maus exemplos em termos académicos e em termos de interesses, mas “boa gente”. Contudo, como eu sempre fui bom aluno, com um comportamento quase imaculado e mantinha uma estreita ligação com a cultura e as artes, sempre gozei de uma moratória que distendia até bem longe a minha liberdade.

Um dos membros desse grupinho era um jovem de compleição franzina, muito moreno, extremamente ágil e com uma história de vida tão longa quanto tortuosa.

Foi criado, desde muito tenra idade, por uma tia-avó. A sua progenitora, mãe solteira, com mais dois filhos (mais velhos), abandonou o petiz aos cuidados da tia. Vivia a cerca de um quilómetro da minha casa e fomos bons companheiros de infância. Quando chegou a idade de ingresso na escola, a tia-avó conseguiu que o petiz fosse admitido na “Oficina de S. José”, onde permaneceu, apenas em tempo de aulas, até completar a quarta classe. Obtido o diploma desse grau académico, abandonou a instituição e regressou à companhia de “velhota”. Por ali foi sobrevivendo, entre a casa da tia-avó e a dos vizinhos. Entretanto foi arranjando algumas ocupações, nunca de grande duração mas onde, pelo menos, tinha alimentação, eventualmente tinha também dormida e ganhava para os “gastos”. Chamava-se Francisco – era, simplesmente, o Xico.

À data dos factos em que estava sincronizada a cronologia da minha narrativa, já havia falecido a tia-avó do Xico. A sua progenitora regressara, agora com um novo companheiro e mais dois irmãos, ainda muito pequeninos. Nessa altura o Xico trabalhava numa padaria. Trabalhava de noite e, a maior parte das vezes, pouco dormia de dia. Tinha, no entanto, uma resistência incrível e uma energia que ensombrava a fama das pilhas “Duracel”.

De vez em quando, o Xico gabava-se de ter “engatado” uma miúda, pelo que, durante um ou dois fins-de-semana não apareceria “ao toque de reunir” para a formatura do grupinho.

Naquele domingo, dia de vinte e oito de Junho, desse ano de aventuras (de 198x), o ponto de encontro do grupinho era num café que actualmente já não existe (conhecido como Café Galocha ou Café do Pistolão – denominação herdada da alcunha do proprietário).

Quando o Xico chegou já eu e os restantes membros do grupinho estávamos a postos. Saciada a sede e actualizadas as novidades, eu estava demasiado calado, a ponto de ouvir o Xico dizer: «Tu nem falas… viste alguma assombração ou estás tolhido pelo calor?»

Fui sincero: - «Acho que vi uma assombração!…»

E desatei a contar a inopinada e quase celestial visão. 

Tão concreto, rigoroso e expressivo fui na minha descrição que, ainda eu não tinha acabado de narrar o sucedido, já o Xico afirmava, de forma categórica e indubitável: «Éh pá!… Eu conheço muito bem essa miúda!...».

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