Caro blog:
Suspendo aqui a minha “história de vida”.
Não sei o que me vai acontecer nos próximos dias. Tenho passado umas
semanas de sofrimento físico e psicológico.
A minha vida nunca foi florida, ao contrário do que todos os meus amigos
imaginam. Aparentemente sempre tive tudo, uma vida de sucesso uma carreia e um
currículo que alguns invejarão. Porém, a verdade é diametralmente oposta.
Tu sabes, caro blog, que sou apenas um bom actor (no teatro e na vida
real). Sou a pessoa mais tímida das redondezas, sinto-me o mais rude, inútil e
estupido de todos os seres… chamam a isso complexo de inferioridade, mas eu
chamo-lhe “o meu fado”.
Será que alguém que me vê a desempenhar papéis complexos, interagindo com o
público e improvisando sem problemas e com todo o à-vontade, ou nas discussões políticas
públicas, ante plateias recheadas de gente importante, ou no meu desempenho
profissional onde enfrento tanta gente (nem sempre fácil de gerir) … Será que
alguém conjectura o que eu sou de verdade. Nem a minha consorte imagina a
vergonha que eu sinto de mim próprio, o medo que comprime o peito…
Foi tudo isto que ditou o infeliz desfecho da “história de vida” que estava
a narrar - algo que não tem uma explicação lógica e racional, a menos que culpe
o “destino” por tudo o que me aconteceu.
Esse mesmo destino que me leva a interromper a tua companhia, caro blog. Se
não puder regressar tentarei, pelo menos, eliminar tudo isto.
Peço desculpa às amáveis e bondosas visitas deste blog, pelo facto de lhes
ter aparecido no caminho, de ter maçado e conspurcado a blogosfera, pelo sacrifício
e desprazer de lerem as minhas palermices… Obrigado e bem-hajam!
¡Hasta!
«
Retomo a minha narrativa exactamente no ponto onde a havia interrompido - a saída da mercearia/café e posto de correios do Sr. Serafim.
Aqui iniciei, com a Isabel, a mais feliz e inesquecível caminhada da minha
vida, aquela em que tive uma semideusa por companheira de jornada e o evento
mais feliz de que tenho memória.
Um dia de sonho. Um daqueles acontecimentos que só cabem na imaginação e
muito dificilmente sucedem na vida real.
Meu Deus!... Trocava tudo pela possibilidade de retornar a esse momento e
repetir essa jornada.
Tão feliz quanto nervoso, tão inseguro como maravilhado, percorremos esse
trajecto de mais de 1 Km num lapso de tempo que, embora eu não consiga estimar,
me pareceu o mais curto de sempre.
Creio que será difícil de entender, mas o meu estado era tal que eu bloqueei.
Não recordo nada do que se passou nesse trajecto, até à casa dela. Por certo,
não se passou nada de especial, mas eu não sou capaz de recordar nada. A
memória desse dia não se apagou com o tempo – no mesmo dia, ao regressar a
casa, eu já não conseguia recordar-me de nada.
Eu sei que estou a abusar, mas a imagem que hoje aqui publico é uma foto
real (tirada à cerca de dois anos mais um recorte do Google Maps) do final do
trajecto mais feliz de toda a minha vida, que percorrei com a mais
divinal de todas as “Divas” que o universo alguma vez albergou.
Não há muitas diferenças em relação à paisagem daquele tempo, mas hoje toda
esta área é, praticamente, um deserto humano – não vive aqui quase ninguém.
Subindo esta pequenina ladeira, por este estreito carreiro, que flanqueia,
por um dos lados, o quintal dela, o meu passeio de sonho terminou ali, junto ao
pequeno portão que servia de entrada secundária da casa dela.
Se não me recordo do que aconteceu no decorrer do trajecto calcorreado, o
mesmo não acontece do ponto de chegada. Recordo-me, com algum pormenor, de tudo
o que se passou do final desse dia de sonho.
Chegados ao portão da casa dela, estávamos de mão-dada, e eu tentei ganhar
coragem para lhe dizer que ela era a pessoa que eu mais adorava no mundo e que
me sentia super feliz por estar com ela. Não consegui.
Como eu tremia, meu Deus! O meu coração bombeava o sangue com tanta força
que eu sentia uma pressão anormal nos ouvidos, nos olhos um estranho latejar e
a respiração era difícil de controlar.
Não sei se ela percebeu o meu estado. Quiçá tenha pensado que eu tinha
algum problema de saúde…
Enquanto eu tentava arranjar alguma palavra que iniciasse uma frase com
sentido, ela largou a minha mão.
Ainda tentei segurá-la enquanto dizia: «Isabel, espera só um
pouquinho…»
Foi inútil.
Ela fez questão de entrar no seu quintal, enquanto dizia: «Tenho
mesmo de ir…»
Acho que fiquei petrificado. Não sei avaliar o que senti, nem a minha
reacção.
Sei que ainda lhe disse: «Isabel… posso voltar aqui Domingo, para
estar contigo?...»
Não ouvi a resposta, mas ela esboçou um sorriso perfeito e encantador, enquanto entrava no seu quintal.
Fiquei ali, preso ao chão a vê-la desaparecer. Depois parti de regresso a
casa.
Eu não via nada à minha frente. Se, por um lado, me sentia o maior sortudo
do mundo, por ter passado este tempo com a mulher mais excepcional do universo;
por outro lado, entendia a forma como ela me
“largou” à porta de sua casa, como algo de forçado.
Independentemente de tudo, eu sentia-me nas nuvens, muito perto do paraíso,
a explodir de felicidade.
Tal era o meu estado, que esqueci todos os amigos, o nosso local de
encontro, tudo o que havia combinado e regressei rápido a casa, fechei-me no
quarto, peguei no meu diário onde gravei uma longa narrativa.
»
(P.S.: Parece que tudo estava a correr lindamente, mas, dessa data até hoje, só fiz asneira!)