Caro blog: Eu devo estar a usar um português paupérrimo, talvez ninguém entenda o que escrevo... é que, ainda tenho dificuldade de reviver estes momentos.
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Eis-me, finalmente, chegado ao Domingo, na cronologia (e, por que não dizer, na cronografia, uma vez que o tempo se funde com os factos) do meu relato. Nunca a expressão “dia santificado” teve tanto significado.
Faz hoje anos... era o dia 5 de Julho de 198x.
À hora que havíamos ajustado lá estava eu na casa do Xico. Eu ia ansioso
mas pouco convencido. Em bom rigor, eu sempre me persuadi que não tenho direito
a grandes mercês da sorte.
O Xico não me havia revelado nada de muito objectivo sobre a morada da
minha “semideusa”.
Agora, porém, e para descartar as nossas formas de transporte disponíveis -
bicicleta e motorizada -, começou por localizar o pedacinho de paraíso onde a
minha "diva", radiantemente, reinava. Baralhava tudo. Aquele rapaz sempre
foi uma desgraça no que respeita a dar informações! (A propósito disso, ainda
um dia conterei um situação passada com ele e que eu testemunhei…)
Então, foi ele a propor que fossemos a pé porque ela morava na freguesia
vizinha. Seriam, quando muito, três quilómetros e, acrescentou ele, «há
grandes vantagens em irmos a pé: “controlamos” as miúdas, podemos conversar sem
problemas… enfim, só vantagens!»
Para mim, a grande desvantagem era o calor infernal de um dia de puro Verão.
Porém, dada a urgência e a importância da jornada, eu estava pronto a todas as
adversidades, mesmo que fosse para uma peregrinação a Santiago Compostela.
Seguimos jornada. Como bons aldeãos, treinados nas agrestes lides
campesinas, estávamos dotados de uma resistência digna de um militar das tropas
de elite e de uma capacidade de resiliência quase sobrenatural. Os dois
havíamos nascido e crescido numa aldeia pacata, alegre e feliz. Depois da
Páscoa começava a época das festas. Era muito raro o fim-de-semana sem festa,
romaria ou simples bailarico.
Retomando o caminho seguido, juntamente com o meu amigo Xico, nesse dia de
Julho dos inícios da década de oitenta, eis-me completamente incrédulo:
eu estava dentro do “meu território”, não estava em local que eu desconhecesse
em absoluto, mas nas minhas deambulações da semana anterior não me ocorrera
seguir esse trajecto.
Três coca-colas depois, ou seja, passados três cafés, entramos num estreito
carreiro “de pé-posto”, muito polido pelo intenso trânsito pedonal, servia,
inclusive, de atalho para uma concorrida feira quinzenal. Era no seguimento
dessa estreita vereda que se situava o pedacinho de Olimpo onde vivia a minha
inigualável e celestial "diva".
Eis-me chegado.
Quando o Xico disse “é aqui!”, eu
entrei num estado que não sei qualificar – senti-me todo arrepiado, com “pele
de galinha”, assolado uma sensação de suor frio enquanto uma forte pontada saía
no peito e percorria todo o corpo, dissipando-se a custo e com uma forte sensação
de formigueiro, nas mãos e nos pés. Entrei numa espécie de transe, não sentia
os pés no chão, o mundo desapareceu em meu redor, agia por instinto, sem
autonomia e incapaz de articular palavras com nexo. Por instantes deixei de
saber onde estava, quem era e o que fazia ali.
Ocorreram, então, lapsos de tempo em que fiquei completamente bloqueado. Parecia que o meu espírito (a minha mente) e o meu corpo se haviam separado.
Na minha vida não me recordo de igual momento em que me sentisse tão incapacitado,
tão débil, tão estranhamente perdido e sem saber o que fazer.
Estive assim, “em transe”, uns minutos.
Quando “regressei a mim”, estava o Xico a tentar sentar-me, entre bofetadas
e abanões… recordo-me apenas desta frase dele: “Eh pá!... Foda-se!... Fala!...”
Não quis dar parte de fraco e, apelando os meus dotes de actor, disse
qualquer coisa do género: “consegui
enganar-te e assustar-te!”
Levantei-me lentamente e tentei defrontar a situação.
O quintal (e a casa) dela tinha (e tem) a particularidade de ter acesso público
em todo o seu perímetro. Podia, por isso, circundar todo o “ seu mundo”.
Com o coração desafiar o rendimento extremo de um motor de fórmula 1, todo
o corpo preparado para sofrer o impacto de um raio eléctrico de elevada
potência e voltagem, à espera receber uma nova sensação inibidora de todas as
minhas reacções vitais, racionais e instintivas, circundei duas vezes o
quintal, num acto quase de adoração. Não sei se o Xico disse algo. Se falou, eu
não ouvi nada.
Como um submisso vassalo, rondei “o paço da suprema princesa”; como um crente,
senti-me a venerar uma entidade celestial.
Nada! A casa estava completamente silenciosa, fechada, deserta.
Procurei uma sombra e fiquei (ficamos, porque o meu "compincha" teve de me acompanhar ou então regressava sozinho) ali, sentado, como o ar compenetrado e contrito de um penitente, absorvido no recolhimento silencioso de um devoto peregrino.
Oh desilusão!... Não podia receber maior decepção, uma penalização mais
pesada, um golpe mais incisivo.
Porquê, meu Deus, tal castigo? Porquê esta falta de sorte? Porquê?...
Trocava tudo por vê-la… eu necessitava ver essa semideusa chamada Isabel,
imperiosa e desesperadamente!
Desapontado, vencido e completamente de rastos, não derramei lágrimas mas
chorei de forma sufocada no mais profundo do meu peito.
Vendo a minha cara de desilusão, o Xico teve uma (mais uma) brilhante
ideia.
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