Meu caro blog: perdoa-me falar deste amigo - o Xico - que não vejo há tantos anos! Soube, há pouco, que ele vive em Dusseldorf. Mantenho aqui o seu nome real e peço a Deus que lhe dê tudo de bom.
«
Apesar disso, a minha
família não via com bons olhos a integração nesse grupinho, mais em razão dos
interesses divergentes dos seus membros e da pouca propensão para a cultura, do
que das suas acções – eram maus exemplos em termos académicos e em termos de
interesses, mas “boa gente”. Contudo, como eu sempre fui bom aluno, com um
comportamento quase imaculado e mantinha uma estreita ligação com a cultura e
as artes, sempre gozei de uma moratória que distendia até bem longe a minha
liberdade.
Um dos membros desse
grupinho era um jovem de compleição franzina, muito moreno, extremamente ágil e
com uma história de vida tão longa quanto tortuosa.
Foi criado, desde muito
tenra idade, por uma tia-avó. A sua progenitora, mãe solteira, com mais dois
filhos (mais velhos), abandonou o petiz aos cuidados da tia. Vivia a cerca de
um quilómetro da minha casa e fomos bons companheiros de infância. Quando
chegou a idade de ingresso na escola, a tia-avó conseguiu que o petiz fosse
admitido na “Oficina de S. José”, onde permaneceu, apenas em tempo de
aulas, até completar a quarta classe. Obtido o diploma desse grau académico,
abandonou a instituição e regressou à companhia de “velhota”. Por ali foi
sobrevivendo, entre a casa da tia-avó e a dos vizinhos. Entretanto foi
arranjando algumas ocupações, nunca de grande duração mas onde, pelo menos,
tinha alimentação, eventualmente tinha também dormida e ganhava para os
“gastos”. Chamava-se Francisco – era, simplesmente, o Xico.
À data dos factos em que
estava sincronizada a cronologia da minha narrativa, já havia falecido a
tia-avó do Xico. A sua progenitora regressara, agora com um novo companheiro e
mais dois irmãos, ainda muito pequeninos. Nessa altura o Xico trabalhava numa
padaria. Trabalhava de noite e, a maior parte das vezes, pouco dormia de dia.
Tinha, no entanto, uma resistência incrível e uma energia que ensombrava a fama
das pilhas “Duracel”.
De vez em quando, o Xico
gabava-se de ter “engatado” uma miúda, pelo que, durante um ou dois
fins-de-semana não apareceria “ao toque de reunir” para a formatura do
grupinho.
Naquele domingo, dia de
vinte e oito de Junho, desse ano de aventuras (de 198x), o ponto de
encontro do grupinho era num café que actualmente já não existe (conhecido
como Café Galocha ou Café do Pistolão –
denominação herdada da alcunha do proprietário).
Quando o Xico chegou já
eu e os restantes membros do grupinho estávamos a postos. Saciada a sede e
actualizadas as novidades, eu estava demasiado calado, a ponto de ouvir o Xico
dizer: «Tu nem falas… viste alguma assombração ou estás tolhido pelo calor?»
Fui sincero: - «Acho
que vi uma assombração!…»
E desatei a contar a inopinada e quase celestial visão.
Tão concreto, rigoroso e
expressivo fui na minha descrição que, ainda eu não tinha acabado de narrar o
sucedido, já o Xico afirmava, de forma categórica e indubitável: «Éh
pá!… Eu conheço muito bem essa miúda!...».
»
.../...