segunda-feira, 29 de junho de 2020

A boa nova!... (Vidi lumen regenerati spes mihi).

Meu caro blog: perdoa-me falar deste amigo - o Xico - que não vejo há tantos anos! Soube, há pouco, que ele vive em Dusseldorf. Mantenho aqui o seu nome real e peço a Deus que lhe dê tudo de bom. 


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Aquele grupinho de aventura, ao qual eu pertencia, não era um gang. Era um grupinho de amigos, responsáveis, bem-intencionados e que se esforçavam por manter as suas malandrices dentro dos limites da polidez, urbanidade e educação, pese embora, uma ou outra vez, as simples brincadeiras que fazíamos tivessem resultados infelizes.

Apesar disso, a minha família não via com bons olhos a integração nesse grupinho, mais em razão dos interesses divergentes dos seus membros e da pouca propensão para a cultura, do que das suas acções – eram maus exemplos em termos académicos e em termos de interesses, mas “boa gente”. Contudo, como eu sempre fui bom aluno, com um comportamento quase imaculado e mantinha uma estreita ligação com a cultura e as artes, sempre gozei de uma moratória que distendia até bem longe a minha liberdade.

Um dos membros desse grupinho era um jovem de compleição franzina, muito moreno, extremamente ágil e com uma história de vida tão longa quanto tortuosa.

Foi criado, desde muito tenra idade, por uma tia-avó. A sua progenitora, mãe solteira, com mais dois filhos (mais velhos), abandonou o petiz aos cuidados da tia. Vivia a cerca de um quilómetro da minha casa e fomos bons companheiros de infância. Quando chegou a idade de ingresso na escola, a tia-avó conseguiu que o petiz fosse admitido na “Oficina de S. José”, onde permaneceu, apenas em tempo de aulas, até completar a quarta classe. Obtido o diploma desse grau académico, abandonou a instituição e regressou à companhia de “velhota”. Por ali foi sobrevivendo, entre a casa da tia-avó e a dos vizinhos. Entretanto foi arranjando algumas ocupações, nunca de grande duração mas onde, pelo menos, tinha alimentação, eventualmente tinha também dormida e ganhava para os “gastos”. Chamava-se Francisco – era, simplesmente, o Xico.

À data dos factos em que estava sincronizada a cronologia da minha narrativa, já havia falecido a tia-avó do Xico. A sua progenitora regressara, agora com um novo companheiro e mais dois irmãos, ainda muito pequeninos. Nessa altura o Xico trabalhava numa padaria. Trabalhava de noite e, a maior parte das vezes, pouco dormia de dia. Tinha, no entanto, uma resistência incrível e uma energia que ensombrava a fama das pilhas “Duracel”.

De vez em quando, o Xico gabava-se de ter “engatado” uma miúda, pelo que, durante um ou dois fins-de-semana não apareceria “ao toque de reunir” para a formatura do grupinho.

Naquele domingo, dia de vinte e oito de Junho, desse ano de aventuras (de 198x), o ponto de encontro do grupinho era num café que actualmente já não existe (conhecido como Café Galocha ou Café do Pistolão – denominação herdada da alcunha do proprietário).

Quando o Xico chegou já eu e os restantes membros do grupinho estávamos a postos. Saciada a sede e actualizadas as novidades, eu estava demasiado calado, a ponto de ouvir o Xico dizer: «Tu nem falas… viste alguma assombração ou estás tolhido pelo calor?»

Fui sincero: - «Acho que vi uma assombração!…»

E desatei a contar a inopinada e quase celestial visão. 

Tão concreto, rigoroso e expressivo fui na minha descrição que, ainda eu não tinha acabado de narrar o sucedido, já o Xico afirmava, de forma categórica e indubitável: «Éh pá!… Eu conheço muito bem essa miúda!...».

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1 comentário:

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Bem-haja e felicidades!